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Artigos / Luiz Fernando Fernandes

04/05/2020 | 09:34

Adoção, os números não se encontram.

Os motivos que levam uma criança a uma casa de amparo são os mais variados, desde a violência e abusos sofridos dentro de casa à perda do pais, entre outros. 
Um dia ela acorda e está só. Todos os sonhos se foram. Pela janela um mar de incertezas. O amanhã já não existe. A célula mater se foi e com isso a pergunta, e agora? 

Não há tempo para sofrimento, não existe espaço para luta. O destino incerto traz uma agonia e uma tristeza que ocupa cada espaço do ser, mas o medo da solidão é maior que a força para gritar e ela se cala. 
De repente se vê como um produto pendurado a uma prateleira qualquer à espera do próximo consumidor. 
O problema que algumas variáveis vão determinar por quanto tempo este “produto” vai ficar em exposição e se vai ser adquirido.

A cor, o tamanho, o formato, a idade, a cor dos cabelos ou a falta deles, tudo vai ser observado. Quem entra na fila para adquirir o produto tem direito a escolha e aqueles que não preenchem as características vão ficando. 
Gente sendo tratada como coisa. A cada visita, uma esperança e uma desesperança caminhando de mãos dadas no palco da vida. 

Dados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), mostram que as casas de acolhimento e instituições públicas abrigavam em 26 de março de 2020, 34,8 mil crianças e adolescentes. Mais de 60% são adolescentes e a divisão entre os gêneros é quase idêntica. As estatísticas estão disponíveis para toda população por meio do portal do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O Painel mostra que atualmente existem 36.578 pretendentes a adoção, 34.485 acolhidas e 4.994 crianças aptas para adoção.
O que impede que estes números se encontrem? Onde está a falha no sistema? 
De acordo com os dados do SNA, Mato Grosso tem hoje 429 crianças em situação de acolhimento. 58 crianças aptas a adoção e exatos 722 pretendentes. 17 processos de adoção estão em andamento.

Algo está muito errado no sistema, afinal existe uma criança para quase 13 casais em nosso estado. Crianças e adolescentes que já poderiam estar em algum lar, já deveriam estar em casa novamente, mas o tempo passa e eles estão lá a espera da próxima visita, do próximo casal. Na torcida para que o nível de exigência dos que virão seja baixo o suficiente para garantir um lar a um casal de irmãos, ao menino portador de necessidades especiais e por aí vai, mas o tempo vai passando, a idade vai chegando e com ela as chances vão diminuindo. Abrigadas, mas sem lar elas continuam na esperança de que o próximo traga a notícia esperada, um quarto para chamar de seu, uma nova mãe, um novo pai, um pedido de benção antes de dormir, a escola ao amanhecer, uma vida longe da interminável fila que nunca termina. 

Talvez para que tenhamos mais crianças adotadas deveremos ter menos. Menos cor de pele e mais coração. Menos preocupação com idade e mais atenção aos sorrisos. Menos e mais, caminhando lado a lado, quem sabe assim não teremos mais crianças e adolescentes na fila, mas pais prontos para evitar que a fila se forme.
Enquanto isso fica esse placar bem indigesto a nos lembrar que o sistema não tem funcionado como deveria. 722 x 58.

Um dia ela acorda, olha no espelho e reconhece lá no fundo da alma a dor de ter perdido a família. Escova os dentes, veste uma roupa e deixa o quarto. Na sala é esperada pelo irmão também adotado pela mesma família. Benção mãe, benção pai e mais um dia começa. A fila foi deixada para traz, o medo já não é companheiro de jornada e a tristeza a muito não habita seu coração. 

É assim que deveria ser, deveria por que por enquanto o que temos mesmo é este terrível placar, 722 casais pretendentes, 58 crianças aptas a serem adotadas e apenas 17 processos em andamento. A pergunta que não quer calar, até quando?  

Luiz Fernando Fernandes é jornalista em Cuiabá.

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