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Artigos / STELA CUNHA VELTER

14/10/2020 | 11:27 - Atualizado em 15/10/2020 | 10:13

Violência patrimonial contra a mulher

Foto: Reprodução

Quando se fala em violência contra a mulher geralmente nos vem à mente os casos de espancamento noticiados nas mídias. Ocorre que há outras formas de violência não tão noticiadas e que algumas vezes causam marcas ainda mais profundas, como a violência psicológica, a violência moral e a violência sexual. Além destas, a violência patrimonial também é uma prática pouco conhecida, até pela falta de divulgação.

A Lei Maria da Penha, que cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, tem 03 (três) campos de abrangência sob sua proteção: o da violência doméstica, praticada por pessoas do espaço permanente de convívio, a unidade doméstica; o da violência familiar, praticada por pessoas que tenham laços de parentesco ou se considerem aparentados e a da violência afetiva, praticada por pessoas que tenham relações de afeto, como namorados, por exemplo.

Ademais, prevê expressamente 05 (cinco) tipos de violência: física, sexual, moral, psicológica e patrimonial. A violência física é a mais comum e a mais fácil de ser provada, vez que corresponde a qualquer conduta que ofenda a integridade física da mulher. A violência psicológica ocorre quando são praticados atos que causem danos emocionais, que diminuam sua autoestima, causem constrangimento ou humilhação, como insultos, manipulação, ridicularização. A violência sexual ocorre na prática de estupro ou quaisquer atos que violem sua liberdade sexual. A violência moral configura-se na prática dos crimes de calúnia, injúria e difamação.

Quanto à violência patrimonial, tem seu conceito nucleado em 3 (três condutas): subtrair, destruir e reter. O tipo penal que corresponde à conduta de subtração é o furto, previsto no artigo 155 do Código Penal. No que diz respeito à destruição, o tipo penal correspondente é o dano. Pode-se citar como exemplo: marido que queima roupas da mulher, por ciúmes excessivos; destruição de correspondência, fotos ou documentos. A retenção corresponde à apropriação indébita que configura-se quando o marido ou companheiro não repassa valores à mulher, correspondentes à sua meação, como lucros da empresa do casal, por exemplo.

A retenção de valores e a destruição de objetos pessoais são as práticas mais conhecidas, principalmente nos conflitos conjugais, muitas vezes com o objetivo de coagir a mulher a retomar ou manter a sociedade conjugal. No entanto, a violência patrimonial pode ser praticada de formas tão sutis que passa despercebida sob o aspecto criminal. O marido que utiliza com exclusividade o bem do casal após a separação ou que se recusa a pagar os alimentos devidos também pratica crime, sob o âmbito de proteção da Lei Maria da Penha. Devido ao caráter de subsistência, os alimentos devidos em casos como esse foram objeto de Enunciado no X Congresso de Direito de Família: “O alimentante que, dispondo de recursos econômicos, adota subterfúgios para não pagar ou para retardar o pagamento de verba alimentar, incorre na conduta prevista no art. 7º, inciso IV da Lei 11.340/2006 (violência patrimonial).”

Além do desconhecimento de que a prática de tais atos configura crime, a própria legislação contempla motivos pelos quais essa forma de violência seja pouco conhecida, previstos nos artigos 181 e 182 do Código Penal.

Os crimes contra o patrimônio estão previstos nos artigos 155 a 183 do Código Penal. Os artigos 181 e 182, que tratam das disposições gerais acerca de tais crimes, isentam de pena quem pratica tais crimes em prejuízo do cônjuge, na constância da sociedade conjugal. Ou seja, durante o casamento, esses crimes não podem ser punidos e nada pode ser feito, exceto em casos de grave ameaça, violência física ou contra maiores de 60 (sessenta) anos, nos quais pode-se instaurar a ação penal independentemente de representação. Não havendo tais circunstâncias, durante o casamento a mulher estaria desprotegida, em caso de cometimento de tais crimes por seu marido ou companheiro.

No entanto, se o casal já está separado de fato, separado judicialmente ou divorciado, deve ser feita a representação para a instauração do procedimento criminal.

Afora tais imunidades previstas na própria legislação, há outros fatores que contribuem para a impunidade e invisibilidade da violência patrimonial, como o silêncio e a omissão da vítima, geralmente motivados pela vergonha, crença na mudança do parceiro e medo.

Além do trâmite da ação penal, algumas medidas protetivas poderão ser adotadas em caráter liminar, ainda perante a autoridade policial, para proteção do patrimônio da mulher, como a restituição de bens indevidamente subtraídos, proibição temporária da prática de atos de compra e venda ou locação, revogação de procurações concedidas ao ofensor, dentre outras.

Cabe à mulher, portanto, sempre que for vítima de violência patrimonial depois da separação de fato, ou durante o processo de separação, divórcio ou dissolução de união estável, comunicar o fato à autoridade policial, seguindo-se a queixa ou representação conforme o caso, para a instauração da competente ação penal. Além do ressarcimento ou reparação na esfera cível, a punição na esfera criminal é necessária para que tais práticas sejam combatidas.
STELA CUNHA VELTER

STELA CUNHA VELTER

Stela Cunha Velter, advogada, professora universitária há 17 anos, Mestre pela UFMT, membro da Comissão de Direito da Mulher e da Comissão de Direito de Família e Sucessões da Associação Brasileira de Advogados em Cuiabá (ABA), presidente da Comissão de Ações Sociais do IBDFAM/MT.  Instagram: @stelacvelter

Yasmim Batista Vidotti, Acadêmica do 10º semestre do Curso de Direito do Centro Universitário de Várzea Grande (UNIVAG). Instagram: @yasminvidotti. E-mail: yasmin.vidotti@outlook.com.
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