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Artigos / ​Rosana Leite Antunes de Barros

19/02/2024 | 10:12

​O consentimento deve ser evidente

O caso Daniel Alves veio à tona novamente por esses dias, tendo em vista a última audiência do processo, ocorrida no presente mês e ano. O jogador se encontra detido há mais de um ano, em razão da acusação do delito de estupro.

O fato já foi, por diversas vezes, relatado midiaticamente. O homem vai até uma boate em Barcelona, e, após importunar algumas mulheres, acaba sendo acusado de prática de estupro contra uma delas. Na Espanha, o estupro está previsto no artigo 179, do Código Penal Espanhol, pela prática do denominado crime de “violência sexual”, sendo cominada pena de 04 a 12 anos. Todavia, em razão da gravidade do fato narrado pela vítima, três julgadores ou julgadoras ficarão responsáveis pela decisão, que deverá ter pena maior que 09 anos. 

Apesar da audiência ter sido pública, para preservar a vítima, a voz foi distorcida, com a finalidade de evitar revelar a identidade. A imprensa também agiu com imenso respeito à vítima, tendo cuidado para não fazer pré-julgamentos e nem divulgar a respectiva identidade, evitando a temível revitimização. Todavia, o suposto agressor, em seu interrogatório disse que “estavam desfrutando”, e, ainda, que ele, por conta de bebidas alcoólicas, estaria “fora de si”.

O fato e o dito processualmente, principalmente pelo suposto agressor, fazem remissão à objetificação do corpo das mulheres, e consequentemente à cultura do estupro. As “justificativas” e “abraços de amigos” aos agressores de crimes sexuais é evidente, até como forma de se “esquivar”, quem sabe, futuramente, de fatos semelhantes.

Algumas ações, mesmo em 2024, marcam que as mulheres são coisas a serem “consumidas”. As discussões e o descrédito na palavra delas oferecem margem de dúvida, até mesmo, quanto ao protagonismo do gênero feminino. Se um pedaço de “carne” está à disposição em festas, como carnes a serem consumidas em açougues, onde estaria o erro? Se elas estão a festar, fazer uso de bebidas alcoólicas, não estariam “buscando” serem vítimas de um “delitozinho”? Existe um controle evidente sobre os corpos delas, quando as leis são criadas sem que elas sejam maioria na discussão. O mesmo controle é mostrado, quando o “não” delas deixa de ser levado a sério, a ponto de trazer ambiguidades naqueles que ouvem e ignoram.

Na infância ouvi por algumas vezes: “Não existe mulher difícil, existe mulher mal cantada”. Ou, ainda: “A mulher cede quando cantada várias vezes”. “A mulher não resiste quando a insistência é grande, já que é romântica.” Também ouvi muito, quando criança, que mulher que reclama muito é desaforada e difícil, enquanto os homens que reclamam são fortes e determinados.

O que não deve ser motivo de celeuma, na atualidade, é que os delitos sexuais podem acontecer a qualquer momento. Assim, ainda que o ato sexual esteja acontecendo consensualmente, e uma das partes não queira continuar, se houver força para o término do ato, consuma-se um delito sexual.

Logo, o consentimento, ou seja, o “sim”, não deve deixar margem para equívoco.  

Por aqui, no Brasil, sem saber qual será a sentença do acusado, há que se tirar exemplos positivos da condução processual, e da maneira com a qual foi tratado midiaticamente em terra espanhola.  

Quem dera um dia, inquestionavelmente, situações que envolvem crimes contra a dignidade sexual das mulheres sejam tratados como deve ser: sem as culpar, e sem o descrédito na palavra delas.  

Ah, quem está “desfrutando” não lavra boletim de ocorrências e nem pede por ajuda, apenas, “desfruta”.   

(*) ROSANA LEITE ANTUNES DE BARROS é defensora pública estadual e mestra em Sociologia pela UFMT.
​Rosana Leite Antunes de Barros

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Rosana Leite Antunes de Barros é defensora pública estadual
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