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01/06/2020 | 09:00

Quando você for embora

Dia desses minha mãe me pediu que eu escrevesse sobre o tema: Quando você for embora. Então lá vai mãe.
A gente vai embora e deixa um monte de coisas pendurada pelas paredes.

Cores que não nos acompanharão mais. Molduras que para nós já não farão sentido. O quadro da vida que vinha sendo pintado com tanto esmero vai ficar ali, intocado. Apenas você sabia de fato quais pincéis deveriam ser usados e agora você simplesmente foi embora deixando uma obra de arte acabada, ou inacabada, só você saberá.

Coisas pelas quais brigamos tanto, umas até valeram inimigos, agora já não fazem sentido. A gente vai embora e tudo é ressignificado. O que antes era o máximo em importância acaba sendo esquecido num canto qualquer, depois vai ficar atrás da porta, no quintal e um dia simplesmente desaparecerá por completo e para sempre, tudo isso porque inevitavelmente um dia a gente vai embora.

Neste processo as roupas serão as primeiras. Pare de reclamar quando a camisa não estiver passada como você esperava. Aquela manchinha na calça ou o botão que teimou em cair quando você já estava fechando a porta da casa. Quando você for embora as roupas serão as primeiras a te acompanhar. Olha-las produzirá dor lancinante e o primeiro saco de lixo preto irá ser a embalagem para levá-las em direção a um abrigo ou ao primeiro morador de rua que for encontrado. Então reclame menos e use mais, pois quando você for embora já sabe o que irá acontecer com aquele terno predileto ou com a roupa de domingo.

Seu filho bateu o carro novo. Calma, a pergunta aqui é: Ele está bem? O carro também não irá resistir ao tempo. Meu pai por exemplo, lembro que era fã do passat pointer, nestes mais de 30 anos que ele não está entre nós, o passat pointer já não existe. Nada passa ao teste do tempo. O mais belo de hoje será o antiquado de amanhã, então brigar por algo é no mínimo estupidez, afinal quando você for embora o mais belo e moderno de todos os carros em alguns anos se tornara tão obsoleto quanto e será também descartado, assim como todo e qualquer bem pessoal que você consiga comprar. 

Como você vê a maioria das coisas não resiste ao teste do tempo, mas existem outras “coisas” que passam com louvor neste teste. São os abraços que você distribui, os sorrisos que doa de forma generosa, palavras de carinho, afetos. Todas estas coisas resistem e nos mantem vivos mesmo depois de temos ido embora.
Assim não seja generoso quando for se relacionar com os outros. Gaste o tempo que for necessário com os amigos, seja um bom ouvinte e se possível distribua conselhos, esta história de que conselho não se dá é pura lorota, compartilhar conhecimento é tudo de bom.

Quando você for embora deixe para trás um rastro de ideias compartilhadas, conselhos dados, papos e mais papos, abraços e carinhos e nestes tempos de corona vírus muitos cotovelos batidos, enfim, são as relações humanas que vão perpetuar nossa história, as coisas que fazemos e não aquilo que compramos que vão fazer a diferença quando nossa história for contada por alguém.

Dificilmente alguém vai se lembrar do carro que você tinha, mas o seu sorriso será sempre lembrado. Então enquanto você ainda esta por aqui não economize nas relações. O mundo é muito melhor com você aqui, então faça tudo isso valer a pena.  

Luiz Fernando Fernandes, é jornalista em Cuiabá.
 
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