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Entrevistas

05/08/2017 | 08:27

"A saúde está estrangulada por causa da dívida milionária do Governo do Estado"

            Administrador de empresas, por formação, foi quando ingressou no serviço público por meio de concurso do Estado que Paulo Araújo descobriu a área que gostaria de seguir, militar e defender arduamente: a área da saúde pública. Lotado na Secretaria de Estado de Saúde (SES), é especialista em Regulação de Saúde, Controle, Monitoramento e Avaliação em Saúde Pública, e especialista em Gestão Pública. Foi diretor de saúde na regional de Tangará da Serra, superintendente em diversas áreas na SES, ex-conselheiro estadual de saúde, consultor da Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa.

            O entrevistado dessa semana do TV Mais News, atualmente, é vereador de segundo mandato e vice-presidente da Comissão de Saúde da Câmara dos Vereadores. Progressista, Paulo Araújo afirma que por atuar na área há tantos anos se tornou não apenas um estudioso do tema saúde pública, mas um militante e alguém que abraçou a política tendo como meta defender e trabalhar pela área.

            Ao longo da entrevista ele relata como a saúde tem sido tratada pela atual gestão estadual, fala da sobrecarga e o estrangulamento do setor na Capital de Mato Grosso, defende que o município ingresse com ação contra o Estado para receber uma dívida, segundo ele, estimada em mais de R$ 40 milhões, e os possíveis caminhos para a saúde do Estado deixar a UTI.
 
 
TV MAIS NEWS – O senhor foi eleito por sua atuação na área de saúde, mas como foi essa transição quando passou a atuar politicamente?

PAULO ARAÚJO - No primeiro mandato eu estava exercendo meu cargo técnico na Saúde, naquele momento cedido à Assembleia Legislativa e fazia avaliação de saúde. Então eu não focava tão especificamente na situação de saúde de Cuiabá. Produzíamos relatórios da situação de saúde pública, no sentido de orientar os deputados ou dar parecer nos projetos de leis que tramitavam na Assembleia Legislativa. E, na condição de veador, provocando essas discussões já focando na saúde pública em Cuiabá.

Levantando indicadores, por exemplo, o que mais chamava atenção era a questão dos déficits, como déficit de leitos hospitalares para entender o porquê de não conseguir internar, quais eram os motivos, qual é a causa e qual é a consequência. Nós temos déficit de leitos, nós temos déficit de hospitais. A gente não consegue enxergar saúde pública. O município de Cuiabá tem uma característica diferente dos demais municípios do estado de Mato Grosso, na questão de saúde pública. Hoje, além de ser referência para a população de Cuiabá, ele é referência estadual em atendimento, existem procedimentos que só existem aqui na capital.

A gestão da média e alta complexidade da saúde pública de Mato Grosso está na gestão da saúde pública de Cuiabá. Vou dar um exemplo: o Pronto Socorro de Cuiabá é um Pronto Socorro gerenciado pelo município de Cuiabá. Mas ele tem uma característica de uma unidade hospitalar regional ou estadual. Atende aí de 40 a 50% da população do interior de Mato Grosso de média e alta complexidade. A exemplo de todas as unidades hospitalares de Cuiabá, os hospitais filantrópicos, por exemplo, que estão sob a gestão do município de Cuiabá, atendem 65% do total de pacientes vindos do interior. Fora os indicadores da atenção básica, especificamente falando do município de Cuiabá.

Já em relação aos atendimentos específicos nas unidades daqui vamos resumir os atendimentos nos programas de saúde da família em Cuiabá, nós temos a cobertura de 40% de cobertura da população. Logo, nós temos 60% da população que não tem acesso prioritário ao principal programa da saúde pública brasileira, que é o Programa de Saúde da Família (PSF). Nós temos uma boa cobertura de policlínicas em Cuiabá, temos as unidades de Pronto Atendimento que são as UPA´s - que são urgência e emergência, que somam três. Em Cuiabá cabem quatro, pelo desenho de urgência e emergência cada unidade atenderia uma região de Cuiabá.

Estamos caminhando para isso, fora toda essa complexidade assistencial que Cuiabá tem, a maior rede de serviço público da saúde pública se concentra no município de Cuiabá que, inclusive, atende quase todas as demandas de alta e média complexidade do estado de Mato Grosso. Inclusive, no retorno dos trabalhos na Câmara, essa semana, tivemos uma discussão um pouco acalorada na Câmara Municipal de Cuiabá, onde eu trouxe alguns números dos valores pendentes de repasse do Governo do Estado ao município de Cuiabá.
 
TVMN – Quando o senhor fala dessa concentração de atendimento alta e média complexidade em Cuiabá, se deve a que, falta de planejamento?

PAULO ARAÚJO – Exatamente. As prerrogativas, as diretrizes da saúde é a descentralização de serviços dentro do município e a descentralização dos serviços interiorizada. E os indicadores dessa interiorização eles só pioraram. Se for analisar o perfil das nossas unidades hospitalares, e aí eu falo de todas, os indicadores hospitalares foram só piorando, ano a ano nesses últimos anos. A ponto de hoje termos a concentração de procedimentos para Cuiabá. Não conseguimos organizar essa rede no interior, nós não conseguimos avançar na descentralização. Houve diminuição no número de leitos e, consequentemente, aumento do déficit de leitos.

Hoje nós temos um déficit de mais ou menos 10 mil leitos, significa a dizer que hoje precisamos de cinco grandes unidades hospitalares para poder suprir essas necessidades de leitos, e falando especificamente na interiorização, perdemos leitos. Recentemente, estamos vivendo a crise de refinanciamento público, e sendo divulgado em todos os meios de comunicação. Unidades hospitalares sendo fechadas.

Essa semana, por exemplo, fechou o hospital municipal de referência regional de Pontes de Lacerda. Por falta de repasse de recurso financeiro, uma região importante deixa de ser assistida por uma unidade hospitalar e há uma migração desses atendimentos. Eles vão para onde? Vão para Cáceres. Aí eles não vão conseguir o atendimento em Cáceres, eles vão para onde? Cuiabá. Então, tudo isso, desses indicadores, desse fechamento de leitos, não tenha dúvida que o ponto final de tudo isso que está acontecendo no interior é a Capital. Fechou atendimento, fechou unidade hospitalar, a referência natural desses atendimentos é o município de Cuiabá.

O município de Cuiabá hoje, mesmo diante dessas dificuldades financeiras, principalmente em relação ao sub-financiamento e aos atrasos reiterados, em nenhum momento diminuiu o atendimento, não fechou unidade pública. O Pronto Socorro de Cuiabá não recebe recurso financeiro desde outubro de 2016, isso em específico para custeio daquela unidade hospitalar, mas também não recebe os R$ 450 mil, que é devido do Governo do Estado, para manter os leitos de pediatria no Pronto Socorro. R$ 450 mil mensais desde novembro de 2016.

Tem também a questão das lentes de retaguarda que foi uma co-pactuação, inclusive na Justiça, de R$ 900 mil que também está pendente. Hoje o Governo do Estado deve ao município de Cuiabá em torno de R$ 42 milhões. Mesmo diante dessa situação que eu acabo de relatar é um município talvez um dos únicos municípios, diante dessa situação de crise de financiamento, que não fechou nenhuma unidade.
 
TVMN – Quais tem sido as justificativas para os atrasos em repasses?

PAULO ARAÚJO – O Estado vem atrasando de forma reiterada todo o complexo, pois ele vem atrasando todos os repasses aos municípios. No caso de Cuiabá, por exemplo, é o caso mais grave dos municípios do estado de Mato Grosso. Eu não tenho informação de uma dívida tão antiga com a nossa unidade pública mais importante do estado de Mato Grosso, a nossa unidade mais importante do sistema público de saúde que é o Pronto de Socorro de Cuiabá. O PSC não recebe recurso financeiro desde outubro. Ontem (quarta-feira – 03 de agosto) o Estado pagou R$ 3 milhões. Tivemos uma discussão dura com o vereador Renivaldo (PSDB) e no outro dia o Governo terminou fazendo um repasse. Então, nós podemos afirmar que 2016 é o primeiro pagamento para o Pronto Socorro de Cuiabá. Ele termina liquidando outubro e novembro, então falta, dezembro 2016 e todo ano de 2017, especificamente para o Pronto Socorro de Cuiabá.
 
TVMN – Mas essa dívida que o senhor citou, inclusive na sessão da Câmara, de R$ 42 milhões é referente a quais unidades ou setores?

PAULO ARAÚJO - Tem vários pagamento pendentes: dos leitos de pediatria, do PS de Cuiabá, dos leitos de retaguarda, assistência farmacêutica. Na quarta-feira foi sanada a dívida com os hospitais filantrópicos, ok? Ok, os hospitais filantrópicos de Cuiabá, HGU, Hospital Santa Elena, Santa Casa e o Hospital de Câncer. As quatro unidades hospitalares, filantrópicas que tenha contrato com município de Cuiabá. A legislação fala da obrigatoriedade do financiamento das unidades públicas, unidade filantrópica e unidade privada. As unidades são administradas diretamente pelo município de Cuiabá, todas estão com atraso de repasse. A exemplo do Pronto Socorro de Cuiabá, porque pagou as unidades filantrópicas e não pagou o PS de Cuiabá, qual a diferença na prestação de serviço? Saúde não se faz no atropelo, tem que ter planejamento, os nossos indicadores são horríveis os indicadores hospitalares são péssimos e a gente agrava a crise com os atrasos de repasses, então você tem um sistema que está borbulhando. É um sistema que está em crise permanente de forma reiterada, porque você não tem compromisso nem com os atrasados e nem com os meses subsequentes, então você não consegue planejar saúde.
 
TVMN – Enquanto vereador e um militante do setor, qual a saída ou solução o senhor vislumbra para o equilíbrio desse setor em Mato Grosso?

PAULO ARAÚJO - Temos uma crise de financiamento acentuada que gerou esse efeito cascata. Cuiabá está com o repasse do Governo Federal em dia. O Governo Federal não atrasa o repasse de recurso. Dias atrás eu assisti uma reportagem, uma entrevista com o secretário de Fazenda do Estado, ele estava justificando que os atrasos do Estado com a saúde e a diminuição de repasse ao atraso do Governo Federal. Só que em nenhum momento o Governo Federal diminuiu o repasse ou atrasou repasse para os municípios e nem para o estado de Mato Grosso. Pelo contrário, nos últimos anos o governo federal ampliou, nos últimos anos, 5% em 2015, 5% em 2016 e veio nessa linha crescente em 2017, então não é uma justificativa. O que a gente nos primeiros anos da gestão do atual governo estadual é que foram feitos compromissos com vários municípios, sem o cumprimento do repasse financeiro, e aí o déficit que já era grande aumentou porque você faz compromisso sem ter saldo e chega uma hora que estoura a bolha. Estourou a bolha, a situação dela hoje é péssima e eu, particularmente, defendo uma medida mais enérgica pelo município de Cuiabá com relação a esses valores pendentes. São valores que a Prefeitura está retirando da própria receita do município, está sendo retirado de outras áreas da gestão municipal.
 
TVMN – Há um desequilíbrio nas contas do município, é isso?

PAULO ARAÚJO - O município está fazendo a gestão de saúde pública para os cuiabanos e para a população de Mato Grosso, é bem isso o que está acontecendo. Cuiabá está carregando a saúde pública de Mato Grosso nas costas. Nós temos essa vocação e nós assumimos essa vocação. O município de Cuiabá assume essa referência e vai ser referência nos próximos anos, devido à complexidade dos procedimentos. Agora, não podemos arcar com esse ônus sozinho porque ele vem comprometendo a saúde pública dos cuiabanos dos que precisam.
 
TVMN – Cuiabá corre o risco de sofrer o estrangulamento nesse setor?

PAULO ARAÚJO – Já está sofrendo. Esse estrangulamento já vem a partir do momento que tem os atrasos. Você tem que tirar recursos de outros setores para priorizar. Hoje não há prioridade clara da atenção básica da saúde de Cuiabá. Se houvesse um pagamento regular das despesas conseguiríamos, com certeza, ter uma situação financeira melhor para poder fazer os investimentos. Todo mundo sabe que a área que mais precisamos investir é a atenção básica. Os números estão dizendo que os aportes financeiros estão sendo todas na ‘alta’, e toda vez que você vai atrasando, vai retirando dinheiro de outras áreas, e a área que não pode parar é a área hospitalar. Assim você termina priorizando a área hospitalar para poder priorizar. É isso que está acontecendo.

TVMN - A questão de recursos do Fethab serem repassados para a saúde, o senhor considera uma boa solução para equalizar as dívidas, por exemplo?

PAULO ARAÚJO – Eu não tenho dúvida que nós precisamos encontrar uma forma de financiamento, o Governo do Estado precisa encontrar uma forma de financiamento para a saúde pública, porque o próprio governador criou esse passivo todo né? A gente tem um passivo considerável: R$ 500 milhões de um orçamento de $ 1,5 bilhão, nós temos um terço comprometido com passivo. Então o governo deve eleger suas prioridades e precisa fazer o financiamento. Agora, qual é a fonte que o Governo pode ter, eu especificamente não saberia te falar. Porque quando a gente está na gestão da saúde pública temos que trabalhar com o que temos. Percebemos uma dificuldade de definir modelo, o Governo tem que definir o modelo de gestão, pois gestão em saúde pública não dá espaço para fazer teste. O sistema público aparentemente parece um sistema complexo, mas é um sistema pronto. Então não dá para trabalhar fora da linha de financiamento.
 
TVMN – O senhor tem defendido que o município leve à Justiça essa dívida do Estado?
 
PAULO ARAÚJO - Eu estudo esse cenário de saúde no estado de Mato Grosso, mas aqui em Cuiabá procuro auxiliar a gestão, até mais por causa da proximidade política que eu tenho com o prefeito. Fazemos reunimos, propomos, apresentamos estudos. Hoje (quinta-feira) nos reunimos com o vereador Ricardo Saad, que é do PSDB, e ele fez duas críticas ao Governo do Estado por conta da falta de repasse do recurso. Ele vivencia porque ele é medico, faz parte da gestão de hospital filantrópico e é o presidente da comissão de Saúde da Câmara. Discutimos com o prefeito qual é alternativa, o que dá para se fazer diante de uma situação dessa. 
 
Melhor caminho é o diálogo. Eu imagino que isso já esteja ocorrendo entre o prefeito e o Estado, mas isso não resultou em benefício algum para o município de Cuiabá. A prova é que estamos cobrando apenas os repasses que são de direito da saúde pública de Cuiabá. O município quando se cala ele assume todo passivo da saúde pública que não é de responsabilidade dele, portanto eu defendo a judicialização dessa dívida. Mas a decisão é prerrogativa é do prefeito de Cuiabá. 

 
 
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