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Entrevistas

13/07/2020 | 19:34 - Atualizada em 13/07/2020 | 20:09

Crimes de feminicídio aumentam em Mato Grosso nos primeiros meses de 2020

Caio Dias

Nos primeiros cinco meses deste ano, 28 mulheres morreram em decorrência de feminicídio em Mato Grosso. O crime é classificado como homicídio em função de violência doméstica e familiar ou menosprezo e discriminação contra a condição de mulher. O número de 2020 é 75% maior ao que foi registrado no mesmo período de 2019 quando foram contabilizadas 16 mortes em todo o Estado.

Por esses e outros problemas em que as mulheres estão tendo durante essa pandemia, a coordenadora do núcleo de defesa da mulher, Rosana Leite, nos concedeu essa entrevista.
As mulheres estão morrendo dentro de casa, é esse o triste cenário de Mato Grosso?

“Infelizmente, esse não é um cenário apenas de Mato Grosso, mas sim nacional, mas aqui no estado não estamos diferentes disso, as mulheres estão morrendo mesmo dentro de casa. Desde que começou a aplicação da lei Maria da Penha em 2006, não tivemos um aumento da violência doméstica, a violência é a mesma. O que aconteceu, foi que as mulheres obtiveram um instrumento importante, principalmente as medidas protetivas de urgência, que fazem com que elas consigam sair do ciclo da violência doméstica familiar, mas se tem um crime que infelizmente houve um aumento, são os feminicídios. Esses feminicídios, dentro do ambiente doméstico familiar, pelo inconformismo com o término do relacionamento foi visível um aumento nacionalmente, e Mato Grosso hoje, dentro de todos os estados, no Brasil é o segundo estado onde mais mulheres estão morrendo dentro do ambiente doméstico familiar, principalmente por causa de término de relacionamentos, isso é um dado muito grave. Então temos que trabalhar de alguma forma essa violência. Com essa pandemia, foi visível que tivemos um aumento, justamente por conta dos feminicídios porque as estatísticas não aumentaram, mas se nós tivemos um aumento dos feminicídios dentro do ambiente doméstico familiar, é claro que tivemos um aumento da violência doméstica familiar”. Comentou a defensora.

Agora, para quem não sabe, qual a diferença entre homicídio e o feminicídio?

“O feminicídio é um homicídio diferente dentro do código penal, onde foi positivado no dia nove de março de 2015. E ele acontece em menosprezo a condição de mulher, quando ela morre por ser mulher, por ser do gênero feminino, mas isso também é para as pessoas que se entendem do gênero feminino, e assim ocorre o feminicídio. Então quando ocorre morte de mulheres dentro do ambiente doméstico e familiar, se trata de um feminicídio, pela discriminação de gênero. E quando ela morre fora do ambiente doméstico e familiar, e morre pela condição de ser mulher do gênero feminino, também ocorre o feminicídio, que é um homicídio qualificado, com uma pena maior, que já se parte para uma pena acima de 12 anos, pela gravidade, pelas covardias que acontecem com as mulheres”. Declarou Rosana Leite.

Esse aumento no número da violência doméstica está ligado ao isolamento social?

“Não posso afirmar que o isolamento social causou esse aumento, não foi o isolamento social, porque os agressores são agressores por natureza, não é o álcool que faz com que o agressor seja agressor, não é o uso de substancia entorpecente, não é o ciúme e não é o isolamento social, isso tudo potencializa o agressor, pois ele já era agressor e essa mulher que entrou nesse relacionamento na quarentena, durante esse tempo, as vezes ela já estava sendo vítima, já estava dentro do ciclo, mas outras descobriram na quarentena o lado nocivo da violência doméstica familiar. Então não é o isolamento social, são os agressores, onde temos que trabalhar essa situação de agressão as mulheres, não é isolamento, não é ciúmes e nem de qualquer substancia” Pontuou a defensora 

Hoje podemos dizer que o mito de “Briga de marido e mulher, ninguém mete a colher” está se quebrando, ou ainda tem muito trabalho de conscientização a se fazer?

“Nós tivemos o primeiro grande desafio da lei Maria da Penha lá em 2006, entrar na casa das pessoas e mostrar que aquele ambiente não era inviolável mais, se crimes acontecem, porque a violência doméstica familiar é um crime nas suas cinco formas: Psicológica, moral, sexual, patrimonial e física, e essa ultima é apenas uma delas, mas é a que mais aparece, mas é apenas uma delas. Então nós tivemos esse primeiro desafio, lá em 2006 que foi entrar na casa das pessoas, falar que “Segredo de casa, não é só barata que conhece”, que em briga de marido e mulher devemos sim meter a colher, para salvar a vida dessa mulher. O grande desafio é mostrar as vitimas quando elas são vítimas, onde a mulher precisa se reconhecer como vítima, para que ela busque esse apoio da justiça, onde muitas pela situação de patriarcalismo, pela estoicidade, pela religiosidade, acabam aceitando a violência como se fosse natural e ela não é natural, nós temos que ser felizes todos os dias de nossas vidas e não aceitarmos qualquer situação de violência, porque uma violência pequena pode arredondar em uma violência grande. Os feminicídios precedem de delitos menores, como ameaças, xingamentos, violência psicológica, morais, sexuais. Então qualquer violência que aconteça dentro do ambiente doméstico familiar, é algo muito grave, porque esse homem sabe onde encontrar essa mulher, sabe a rotina dela e por isso é muito grave” Declarou Rosana Leite.

As mulheres hoje precisam de uma estrutura de segurança maior, para que elas possam ter a segurança de denunciar os agressores?

“Eu entendo que falta o comprometimento, falta o poder publico de fato entender que essa violência que acontece dentro do quadradinho de casa, ela atinge toda a sociedade. Como defensora pública, eu frequento presídios, cadeias, já frequentei no interior do estado quando fui defensora lá. Sem querer justificar crime de ninguém, mas a maioria das pessoas que comentem delitos hoje contra a sociedade, viram violência doméstica na infância, conviveram com a violência doméstica e muitas vezes foram vitimas da violência que eu acho pior, que é a violência sexual. Hoje essas pessoas desaguam na sociedade, todos os traumas em que elas viveram. Então sim, falta para o poder público, que não é mimimi, que é realidade, que nós precisamos tratar essas pessoas. Porque o código de trânsito por exemplo, é tão divulgado? Uma criança hoje conhece mais o código de trânsito do que a lei Maria da Penha. Então precisamos sim conscientizar a sociedade, de quebrar paradigmas, de tirar toda essa violência que atinge as mulheres dentro e fora de casa. A delegacia 24 horas, é uma promessa sim, é uma luta do movimento feminista aqui de Mato Grosso, precisamos sim, porque a primeira porta de entrada, pois essas violências acontecem nos finais de semana, acontece foras de horário de atendimento, que é até as 19h que atende, precisamos de um efetivo nessa delegacia, precisamos que lá tenha pessoas capacitadas do inicio ao fim e essa capacitação seja permanente, eu conheço os delegados que atuam e sei que não é culpa deles essa falta de efetivo, pois são pessoas comprometidas. Então precisamos sim dessa responsabilidade e de que realmente entendam que a violência contra a mulher dentro de casa, sai de casa e agride a toda sociedade”. Pontuou a defensora

Qual o canal de atendimento da defensoria hoje, onde quem precisa buscar ajuda pode contactar?

“Temos um numero de celular hoje a disposição das mulheres, que é o 65 9 8463-6782, e esse número atende as mulheres o dia inteiro, é uma forma de atendimento. Porque antes atendíamos de forma presencial, mas agora está sendo dessa forma, para facilitar o acesso. E a defensoria hoje é uma das instituições que mais tem contato com a população, então se nós abríssemos o atendimento, poderíamos infectar muitas pessoas, trazer uma aglomeração que seria evidente. E também comentar que o núcleo da defensoria de defesa da mulher, não atende só a violência doméstica familiar, mas qualquer violência, preconceito e discriminação que as mulheres sofram dentro ou fora de casa, poderá entrar em contato conosco. Porque esse núcleo foi muito bem aceito pela sociedade, e que de fato atende a todo preconceito, violência e discriminação, que as mulheres venham a sofrer. Finalizou a coordenadora do núcleo de defesa da mulher, Rosana Leite.
 
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