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Notícias / Economia

16/06/2020 | 09:44

Indústria do entretenimento no RJ tem 450 mil desempregados, e prejuízo deve chegar a R$ 70 bi

Redação TV Mais News

No salão vazio do Renascença Clube, não há batuque, pandeiros, cavaquinhos, bandolins, violões, muito menos cantos. Não há risadas, nem conversas e nem sorrisos ao redor dos músicos. Ao contrário do que há 15 anos acontece nas tardes e noites de segunda-feira, o Samba do Trabalhador está mudo.

Há três meses, o ponto de encontro de amantes do samba localizado no Andaraí, Zona Norte da cidade, não lembra em nada os escassos metros quadrados disputados de forma acirrada pelas cerca de 1 mil pessoas que, a cada sete dias, costumavam lotar ao local.

Um vazio que, de forma simbólica, reflete a situação vivida por artistas e profissionais das artes e espetáculos. Pessoas cujas finanças e meios de sobrevivência foram destruídos pela epidemia do novo coronavírus.

Segundo a Apresenta Rio, associação formada por diversas empresas da indústria do entretenimento, 1,5 milhão de pessoas que trabalhavam no setor ficaram desempregadas no Brasil desde o início da pandemia. Pelo menos 30% – 450 mil – desse total estão no Estado do Rio.

O prejuízo, como se pode antecipar, não será pequeno.

"Sendo bem conservador nos cálculos, se as coisas continuarem como estão, até o fim do ano o prejuízo na área de shows e eventos no Rio deverá estar próximo dos R$ 70 bilhões", avalia o diretor-presidente da Apresenta Rio, Pedro Augusto Guimarães.

Ao lado de São Paulo, o Rio concentra a maior parte dos shows e eventos de grande porte realizados no Brasil.

Dados da associação apontam que carnaval deste ano rendeu R$ 4,1 bilhões; a edição mais recente do Rock in Rio, realizada em 2019, gerou R$ 1,7 bilhão; o Rio Open, principal torneio de tênis do Brasil e último grande evento esportivo na cidade, arrecadou R$ 130 milhões e empregou pelo menos três mil pessoas.

"O setor que agrega shows, espetáculos, eventos e turismo representa 5% do Produto Interno Bruto fluminense, fica atrás apenas da indústria de óleo e gás. Mais de 80% da cadeia de trabalho nessa área é temporária – quando não há eventos e shows, essas pessoas ficam desempregadas e impossibilitadas de pagarem suas contas. Só que nunca vivemos uma situação na qual a paralisação das nossas atividades se prolongasse de forma tão extensa", descreve Pedro Augusto.

Luta de artistas
"É difícil, muito difícil. Nunca imaginei que viveríamos uma situação como esta", lamenta Moacyr Luz, idealizador e principal nome à frente do Samba do Trabalhador.
O sambista enumera os profissionais que, por conta da impossibilidade da realização de shows, estão sem fonte de renda.

"Técnicos de som, cobradores de bilheteria, garçons, seguranças. As pessoas tendem a olhar apenas para quem está no palco –gente que também está com muitas dificuldades financeiras. Mas se esquecem que, por trás de cada show, há uma rede de profissionais que tornam as apresentações possíveis e que agora estão sem ter como colocar comida na mesa por causa dessa pandemia. Eles e nós, artistas, estamos em uma situação muito delicada."

Para minimizar os efeitos provocados pelo isolamento social na vida do trabalhador do setor de espetáculos, locais tradicionais de samba no Rio de Janeiro recorreram aos meios digitais.

Por meio de sites de financiamento coletivo, o Samba do Trabalhador havia arrecadado, até esta segunda-feira (15), R$ 16.045,23 em uma campanha de doações sem metas estabelecidas.

Bip Bip
Outro local familiar aos sambistas cariocas é o Bip Bip, em Copacabana, cujas portas também estão fechadas desde março – um ano após a morte do antigo dono, o lendário Alfredinho.

Por meio de arrecadação virtual até segunda-feira, o estabelecimento que ocupa uma pequena loja na Rua Almirante Gonçalves levantou R$ 49.180 – 78% dos R$ 68 mil pretendidos pela campanha.

Pagar as contas

Thiago da Serrinha entende bem este momento. Um dos percussionistas mais requisitados do cenário musical brasileiro, ele cumpria uma extensa agenda de shows acompanhando nomes como Simone, Zélia Duncan e Hamilton de Holanda.

Mas então a pandemia chegou e aconteceu o que ele mesmo denomina de "parada geral".

"De uma hora para outra, não havia mais shows. Nenhum, nada mesmo. A última apresentação da qual participei foi em março, e mesmo assim para um público já bastante reduzido – naquela noite, ficou claro para mim que as pessoas já estavam com receio de saírem de casa por conta da pandemia. De lá para cá, a agenda de shows ficou vazia".

O jejum de espetáculos obrigou Thiago a buscar medidas alternativas para sobreviver e manter as contas quitadas.A solução foi se tornar vendedor da Amazon, o portal de vendas on-line.

"Começou uma luta diária para descobrir o que eu poderia fazer. Já há algum tempo, vinha pensando em trabalhar com marketing digital ou algo relacionado à internet para garantir uma renda extra. A pandemia e a interrupção das apresentações aceleraram esse processo".

Até a última semana, Thiago havia vendido R$ 1,5 mil, intermediando a comercialização de produtos entre os compradores e a plataforma on line. O dinheiro ajuda, sem dúvida, mas ainda não é o suficiente para cumprir todos os compromissos.

"Junto o que consigo nas vendas com o dinheiro de lives que tenho feito em minhas redes sociais às sextas-feiras. Também estou pensando em montar um curso de percussão para colocar no Youtube. Minha namorada tem segurado a maior parte das contas. Infelizmente essa situação tem comprometido o pagamento da pensão do meu filho de três anos. Não ganho o necessário para pagar tudo, mas é como dizem lá na Serrinha: melhor pingar que secar".

Retomada
As lives mencionadas por Thiago se transformaram na maneira mais recorrente de artistas manterem contato com o público. Não foram poucos os que abraçaram os meios virtuais para continuarem apresentando suas composições.

"Faço pelo menos três lives por semana nas minhas redes sociais. É uma maneira de estar próxima das pessoas que gostam do meu trabalho. Este momento tem sido muito difícil para todos nós. Ainda consigo me manter porque tenho minhas reservas, outras fontes de renda e conto com a ajuda do meu companheiro, mas há profissionais que trabalham comigo que ficaram sem absolutamente nada", explica a cantora, compositora e bandolinista Nilze Carvalho.

Ela lembra que, além da impossibilidade da realização de shows e espetáculos, a pandemia gera outros efeitos – a maioria, nada positivos.

"Esse tempo que estamos em casa, que pelo menos teoricamente seria produtivo, não tem sido bem aproveitado. É muito fácil perder a motivação. É uma espécie de cansaço. Por exemplo, há atividades que eu poderia terminar em uma semana, mas já estou nelas há um mês e até agora não cheguei ao fim. É uma sensação esquisita. Só gostaria que voltássemos a nos apresentar tão logo seja possível".

Ainda não há uma resposta definitiva para os anseios de Nilze – os próprios artistas se mostram inseguros sobre quando uma volta aos palcos poderá ser possível.

"É triste, mas sabemos que estamos no fim da fila. Os shows vão demorar a voltar. Temos que esperar e trabalhar da maneira que for possível neste momento", resigna-se Moacyr Luz.

A Apresenta Rio já se reuniu tanto com a prefeitura quanto com o Governo do Estado. Para a associação, tomando-se as medidas de segurança necessárias, alguns eventos já poderiam voltar a ser realizados.

"É claro que ninguém espera fazer um show gigantesco na praia com milhares de pessoas aglomeradas na areia. Mas acreditamos que um cinema ou teatro, que cumpra as exigências de higiene e segurança, com um público reduzido, poderia funcionar. O mesmo valeria para eventos ou palestras menores, mantendo o distanciamento, com todos usando máscaras, ar condicionado com filtro limpo e controle de acesso", sugere Pedro Augusto, lembrando que a Apresenta Rio já enviou um protocolo sugerindo retomada das atividades culturais no Estado do Rio.
Para concluir, ele ressalta dois pontos importantes:

"Temos que pensar desde já na realização de dois eventos: o réveillon de 2020 e o carnaval de 2021. Essas festas são cruciais para a economia da cidade e não podemos esperar muito mais para começar o planejamento de nenhuma das duas. Além disso, os projetos que dependem de leis públicas de incentivo não podem perder esse financiamento de jeito nenhum".

Apesar da maré contrária, Moacyr mantém a chama acesa.

"De uma forma ou de outra, precisamos ter esperança. Ainda veremos o Samba do Trabalhador e todos os outro lugares lotados, com gente trabalhando e pessoas se divertindo, cantando e celebrando a vida. No fim de tudo, a cultura é isso, não é mesmo?"

Fonte: G1

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