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01/05/2022 | 20:25

Delegado: pena é maior para quem maltrata animais do que idosos

Redação TV Mais News

Foto: Reprodução
 
 
Depois uma vida dedicada à família, é esperado que na velhice as pessoas possam ter tranquilidade enquanto são cuidados pelos filhos e netos. No entanto, segundo o delegado da Delegacia Especializada de Delitos Contra a Pessoa Idosa (DEDCPI), Vitor Chab Domingues, a realidade é que a grande maioria dos casos de abusos contra idosos é cometida pelos próprios parentes.
 
"Cerca de 90% dos casos que nós temos de crimes contra a pessoa idosa ocorre no próprio seio familiar", afirma.
 
O titular ainda critica a inversão de valores quando o assunto é punição. Chab afirma que apesar de os idosos serem tão vulneráveis quanto crianças, adolescentes e mulheres, não há penas rígidas para crimes de maus-tratos para esta faixa etária e nem uma rede proteção ou representantes especializados no judiciário.
 
"Para você ter uma ideia da inversão de valores: no crime de maus-tratos à pessoa idosa a pena é de dois meses a um ano de prisão. Se nós formos na lei do crime ambiental, que trata do delito de maus-tratos aos animais, a pena para maus-tratos aos animais domésticos é de dois a oito anos", explica.
 
Na entrevista concedida ao MidiaNews, o delegado também fala sobre o perfil dos agressores, os crimes mais frequentes e a atuação da Polícia na proteção dos idosos.
 
Confira a entrevista na íntegra: 
 
MidiaNews - Quais são os principais tipos de crimes cometidos contra os idosos?
 
Vitor Chab Domingues - Os maiores tipos de crimes são os contra honra, calúnia, difamação, injúria e os crimes de ameaça. Dentro do Estatuto do Idoso a maioria dos crimes que nós atendemos é de maus-tratos à pessoa idosa, a descriminação por motivo de idade e o abandono material, que é quando os próprios familiares não dão o sustento de higiene, alimento, entre outros, ao idoso.
 
Quando se fala sobre violência contra a pessoa idosa, a primeira coisa que pensam é sobre a física, mas a violência física não é a primeira que ele sofre. Nós temos a emocional, social, patrimonial e depois a física.
 
Os crimes patrimoniais são a apropriação indébita, a retenção indevida de cartão magnético, ou qualquer documento do idoso, e omissão de socorro. Infelizmente também temos presenciado crimes de "stalking" majorado pela idade da vítima, que é o crime de perseguição. Também temos o constrangimento ilegal, além da lesão corporal, ameaça e os crimes contra a honra, como calúnia, difamação e injúria majorada pela idade da vítima.
 
Então é essa gama de crimes, somada ao homicídio culposo decorrente de negligência e imprudência, principalmente em hospitais, onde o idoso acaba falecendo por algum erro médico, negligência ou imprudência.
 
A gente também tem presenciado os crimes de abandono material e omissão de socorro dentro das unidades de saúde, em que o idoso fica internado e os flhos e netos dizem que não têm tempo para cuidar dele.
 
MidiaNews - As ocorrências em geral têm crescido, diminuído ou permanecido iguais?
 
Vitor Chab Domingues – As demandas voltadas para as vítimas idosas vêm aumentando cada dia mais, principalmente na pandemia, em que o idoso ficou mais em casa.
 
A primeira porta de entrada quando o idoso tem seu direito violado - seja cível ou criminalmente - é a Delegacia Especializada de Delitos contra a Pessoa Idosa. Por quê? Porque hoje não temos uma vara criminal do idoso, uma promotoria criminal do idoso - apenas a cível - e nós não temos uma defensoria criminal para esta população. Então temos idosos que vêm todo dia na unidade policial, outros que nós ouvimos e orientamos.
 
MidiaNews - Recentemente o senhor deu uma palestra para juízes sobre o assunto. Como tem sido a resposta da Justiça para casos de crimes contra idosos?
 
Vitor Chab Domingues – Era uma responsabilidade muito grande, e ao mesmo tempo gratificante, falar para 25 juízes que estão ingressando na carreira. Eles não sabiam que não havia na comarca de Cuiabá uma vara especailizada de idoso. Então nós peticionamos ao Judiciário porque não há um juiz que tenha expertise para receber o nosso pedido, como existe na Vara da Mulher e da Criança e do Adolescente.
 
Isso não é uma crítica, esse é o sistema judiciário. Nós já sabemos que há uma sensibilidade por parte do Tribunal de Justiça para que 14º Vara Cível, que é da Criança e do Adolescente, acumule com o idoso. 
 
Seria uma melhoria muito grande porque a categoria dos vulneráveis tem que ter um tratamento especial, não só por parte do magistrado, mas do delegado de Polícia, do investigador, do escrivão... Porque não é qualquer um que trabalha com idoso.
 
Então, não desmerecendo o Judiciário, de forma alguma! Mas é o futuro do Brasil. Uma pessoa idosa é um jovem que deu certo e, se Deus quiser, um dia seremos idosos. O futuro está aí: a população está envelhecendo e nós temos que acompanhar. Temos um Judiciário forte, uma Polícia forte, um Ministério Público forte, uma Defensoria Pública forte. E tendo um juiz que tenha a expertise para tratar a pessoa idosa, quem ganhará é a sociedade.
 
MidiaNews - Nos últimos tempos, tem havido operações de combate a pessoas que negligenciam ou maltratam idosos. Fale um pouco destas operações?
 
Vitor Chab Domingues – Nós tivemos uma operação deflagrada em nível nacional chamada Vetos. Ela foi deflagrada em 2020 e 2021. E surgiu independente de bandeira ou partido político. No atual governo, o Ministério da Mulher Família e Direitos Humanos percebeu que no canal “Disque 100”, onde se faz denúncias, constatou-se um aumento gritante da violência praticada contra a pessoa idosa.
 
E a ministra [Damares Alves] que exercia o cargo à época se sensibilizou com a causa e, junto com o Ministério da Justiça, convocou os delegados dos 27 estados, mais o Distrito Federal, para irmos até Brasília. Nos reunimos com o ministro da Justiça, decidimos fazer uma comissão e deflagramos a operação.
 
Foi um sucesso total, em alguns estados houve prisão em flagrante de quem mantinha idosos em cárcere privado e nós também atuamos nessa área.
 
Nessa comissão da operação eu represento a região Centro-Oeste. E esse tipo de ação nós desencadeamos fora os trabalhos dentro de Cuiabá, vinculados à Delegacia Regional de Cuiabá e à Diretoria Metropolitana.
 
MidiaNews - A legislação é satisfatória?
 
Vitor Chab Domingues - Uma das questões que nós tratamos em Brasília nessa comissão foi para fazermos algumas alterações no Estatuto do Idoso. Para você ter uma ideia da inversão de valores: no crime de maus-tratos à pessoa idosa a pena é de dois meses a um ano de prisão.
 
Se nós formos na lei do crime ambiental, a pena para maus-tratos aos animais domésticos é de dois a oito anos. Nos crimes tipificados no Estatuto do Idoso, apenas quatro ultrapassam a pena de dois anos. Um dos pedidos que fizemos em Brasília era para alterar essas penas. 
 
Hoje no Brasil, se uma mulher é vítima, apenas registrando um boletim de ocorrência na unidade e fazendo uma medida protetiva - como há uma vara criminal com juízes capacitados para atender -, esse pedido é deferido em alguns dias. E nós não temos [no caso de idosos].
 
Então hoje o mecanismo que temos na nossa unidade é fazer uma analogia ao Código do Processo Penal, pedindo uma medida cautelar inominada de afastamento quando o idoso é do sexo masculino vitimizado e o agressor é um filho ou filha que mora com ele.
 
MidiaNews - Qual é o perfil dos agressores?
 
Vitor Chab Domingues - Cerca de 90% dos casos os crimes contra a pessoa idosa ocorrem no próprio seio familiar. Então, um filho, uma filha, um neto que comete o crime contra o idoso, que é da categoria que eu chamo de hipervulneráveis, tamanha sua falta de malícia e expertise.
 
Quem cuidou a vida inteira de um filho, no final da vida deveria ser ao contrário, com o filho cuidando com todo carinho do seu pai, da sua mãe. E, infelizmente, é prática corriqueira de quem deveria cuidar não fazer isso, alegar que não tem tempo e ainda cometer crimes contra este idoso.
 
Cada dia mais vem aumentando, por isso é de suma importância criar essa rede de proteção para a pessoa idosa.
 
MidiaNews - Qual o perfil dos idosos agredidos?
 
Vitor Chab Domingues - A maioria das pessoas que são vítimas de crimes praticados no próprio seio familiar são os idosos sexo masculino. E infelizmente ali é pela parte financeira, em que o idoso tem quatro ou mais filhos e antes mesmo dele falecer os herdeiros já estão brigando pela herança.
 
Isso é cada vez mais corriqueiro, vem aumentando essa prática criminosa em que um dos filhos sempre fica com o cartão do pai e ainda o idoso protege esse filho. No momento em que ele é levado para a unidade policial, a vítima diz que é mentira porque ele não quer ver o filho futuramente sendo condenado.
 
MidiaNews - Existem agressores dos pais que relatam que sofreram maus tratos quando eram criança e por isso descontam na velhice?
 
Vitor Chab Domingues - Não, acho que é mais uma prática de crime cometida por malícia mesmo, por querer levar vantagem, se aproveitar de hipervulnerabilidade do idoso e achando aquele crime não vai ser descoberto. Ele vai pegando um dinheirinho, se apropriando da pensão...
 
MidiaNews - O Estatuto do Idoso tipifica o crime da violência financeira contra o idoso. Como normalmente ocorre este tipo de crime?
 
Vitor Chab Domingues - A violência financeira, fora os delitos de estelionato, são os crimes patrimoniais corriqueiros, como apropriação indébita, que é se apropriar de pensão, salário, aposentadoria ou qualquer bem do idoso. Nós temos casos de pessoas que se apropriam de uma causa ganha [na Justiça] e não a repassa. Há também a retenção indevida de cartão magnético.
 
MidiaNews - Os idosos muitas vezes têm dificuldades de mobilidade e até mesmo de verbalização. Como as denúncias chegam até vocês?
 
Vitor Chab Domingues - As denúncias chegam por via Ciosp. O atendente materializa o relato no papel e distribui para as delegacias que têm atribuição para investigar esse tipo de crime.
 
Temos também o “Disque 100”, que recebe e repassa quando o idoso é vítima de um crime que é da atribuição da Delegacia Especializada do Idoso. Na maioria das vezes a denúncia é anônima.
 
Se há elementos detalhados, nós já instauramos o inquérito, mas quando a denúncia vem vazia, faltando elementos, sempre fazemos um despacho para a equipe policial ir até o local e verificar se realmente está ocorrendo este crime. Muitas denúncias são mentiras, questões de briga familiar em que tentam prejudicar algum parente.
 
E o próprio idoso vem na delegacia para realizar a ocorrência ou um comunicante, como o filho ou outra pessoa. Temos vários canais de atendimento tanto na parte virtual quanto presencial em qualquer delegacia do Estado.
 
 
 
 
Fonte: MIDIANEWS

 
 
 
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