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23/09/2019 | 09:40

Coletivo de cinema negro de MT produz primeiro filme com temática da velhice

Olhar Direto

Coletivo de cinema negro de MT produz primeiro filme com temática da velhice

Foto: Reprodução

O Coletivo Audiovisual Negro Quariterê realiza, neste mês de setembro, sua primeira produção audiovisual. ‘A velhice ilumina o vento’ é um curta-metragem que será gravado em seis dias, produzido de forma independente e com alguns apoios. A roteiro e direção são de Juliana Segóvia, e a história contada é de Valda, uma mulher idosa, negra, periférica, que trabalha em um condomínio de luxo da cidade de Cuiabá, e que tem por habito ir a bailes da terceira idade.

“Esse filme tem como origem a minha pesquisa”, conta Juliana. “Eu sou mestra em estudo de cultura contemporânea. Mapeei todos os bailes da terceira idade na minha pesquisa de mestrado, e fiquei amiga de uma mulher chamada Dalva. No filme, a protagonista se chama Valda, e seu perfil é basicamente dessa mulher que se tornou minha amiga, e que tem uma trajetória muito parecida com o que está colocado ali”, explica a roteirista.

Além de Juliana, outras 24 pessoas integram a equipe que faz o filme, todos não-negros, mas nem todos do coletivo. Eles trabalham de forma colaborativa, sem receber por isso. “Mas a gente sabe que estar ali é, de fato, uma questão política, de luta, e de resistência. Porque as pessoas negras no cenário são as que ganham menos, e que costumam ser convidadas a trabalhar não sendo pagas”, explica a diretora, que também é uma das fundadoras do coletivo. “A gente discute sobre isso para as pessoas entenderem que o que a gente está fazendo ali, enquanto produção, é uma possibilidade de a gente quebrar essa lógica do mercado de trabalho, e também da dimensão de um produto artístico de qualidade”.

Apesar de não ter verba, o filme conta com o apoio da Agro Serra, empresa do Maranhão, da Adufmat (Associação dos Docentes da UFMT), e do apoio da Água Mineral Excelência (Várzea Grande). Os equipamentos foram emprestados pelas produtoras Latitude Filmes e Pano B. “São equipamentos que, se a gente alugasse, a gente teria que ter o valor de um edital para conseguir pagar”, explica Segóvia. “Para a gente trabalhar com uma câmera cinematográfica como a Red, que é a câmera da Plano B, é quase impossível no cenário sem um edital,  e sem pessoas capacitadas para isso”.

Colocar pessoas não-brancas em todas as funções do filme, segundo a diretora, é também uma forma de valorizar os profissionais. “Por exemplo, para a direção de fotografia a gente chamou o Kelven Queiroz, que é um homem não-branco, que sabe manipular a Red e que sempre costuma ser colocado como assistente de câmera. Esse protagonizar, como direção de fotografia, não é algo comum para as pessoas negras no cenário cinematográfico”.

Depois de terminadas as filmagens, o coletivo vai, ainda, procurar uma ilha de edição para finalizar o curta. A ideia é que ele seja lançado no próximo ano. “Mas a gente tem a perspectiva de fazer uma distribuição raciocinada. De pegar dos grandes festivais para depois ir descendo”, explica a diretora. “Porque a gente precisa usar esse trabalho como portfólio. De repente, se ficar um ótimo produto, isso vira uma janela, uma oportunidade, uma porta aberta para todo mundo que fez parte do processo. Se a gente conseguir prêmios, festivais grandes, nacionais e internacionais, a gente pode usar isso como argumento para falar: pessoas negras produzem, pessoas negras produzem com qualidade, pessoas negras têm que estar no mercado também”.

Quariterê

O Coletivo Audiovisual Negro Quariterê nasceu há dois anos e meio, como resposta a uma mostra racista realizada pela Secretaria de Estado de Cultura. “Foram chamadas só pessoas brancas para compor as mesas, e os temas também eram de cunho bem racista”, lembra Juliana.

O caso gerou polêmica depois que a Secretaria alegou que não havia profissionais negros no estado de Mato Grosso para serem chamados. Os movimentos negros de Cuiabá, então, se reuniram para debater o assunto e, por fim, a produção da mostra passou para pessoas negras.

Pouco tempo depois, em uma oficina realizada pelo professor Celso Prudente, na Universidade Federal de Mato Grosso, os alunos decidiram montar um coletivo, e convidaram Juliana Segóvia para fundá-lo.

O grupo já organizou três mostras de cinema, realiza mensalmente a sessão Afrocine no auditório do centro cultural da UFMT, e também faz ações pontuais em escolas e cidades do interior. “A vontade de ter uma produção é antiga, a gente discute sobre isso desde a fundação do coletivo. Só que a gente viu que no início ainda precisava se conhecer, precisava criar coesão, conhecer um ao outro para saber se isso era uma possibilidade”, explica a diretora. Com esta vontade, os integrantes do coletivo fizeram uma seleção de roteiros, e o mais votado foi o de Segóvia. Somente no início de 2019, no entanto, que eles entenderam que seria o momento propício para a produção.

As filmagens acontecem somente aos finais de semana, porque boa parte da equipe trabalha também em horário comercial. “É difícil fazer cinema negro no país, porque falta o acesso tanto à universidade pública que tenha um curso de cinema, quanto aos equipamentos, que são muito caros. O cinema negro no Brasil é feito da maneira mais colaborativa e de correria mesmo pra fazer acontecer. A gente vem desse histórico de falta de representatividade de pessoas negras em todos os espaços profissionais”, explica a diretora.

“O coletivo tem esse objetivo: falar que a gente existe, falar que a gente produz, e também produz com qualidade, e também podemos nos formar. Está sendo uma perspectiva política fazer esse filme, além das mostras e sessões”, finaliza.
 
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