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04/06/2020 | 08:50

'Memórias póstumas de Brás Cubas': Nova tradução contribui para redescoberta de Machado de Assis nos EUA

"Um dos livros mais inteligentes já escritos". É assim que o escritor Dave Eggers apresenta "Memórias póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis, no prefácio da nova edição do livro em inglês, lançado nesta terça-feira (2) pela Penguin nos Estados Unidos.  A nova tradução da obra, fruto do doutorado da americana Flora Thomson-DeVeaux na Universidade Brown, é uma nova oportunidade para que o clássico da literatura brasileira seja redescoberto no exterior.

"Machado está nessa posição de autoridade absoluta no Brasil, enquanto lá fora ainda faz sentido recomendá-lo", diz a tradutora, ao explicar que a reação mais comum dos leitores estrangeiros ao se deparar com a obra de Machado é se perguntar: “por que eu ainda não conhecia este livro?”

"O clássico é aquilo que quando você olha, você reconhece. Para quem abre o livro, é evidente por que ele é importante."

Autor de livros como "O círculo" e "Uma comovente obra de espantoso talento", Dave Eggers enumera alguns dos motivos que ainda fazem Memórias póstumas de Brás Cubas surpreendente ainda em 2020 em seu texto de introdução desta nova edição, publicado também pela revista The New Yorker na terça-feira. Entre o elogio à originalidade de Machado, Eggers ainda lamenta seu esquecimento entre os leitores de língua inglesa.

"Esquecido por muitos, é um dos mais inteligentes, divertidos e portanto mais vivos e atemporais livros já escritos. É uma história de amor — muitas histórias de amor, na verdade — e é uma comédia de classes, costumes e ego, e uma reflexão sobre uma nação e um tempo, e um olhar resoluto sobre a moralidade, e ao mesmo tempo é uma íntima e extática exploração da própria narrativa. É uma obra-prima brilhante e um absoluto prazer de se ler, mas, sem qualquer justificativa, quase nenhum falante de inglês do século XXI já leu (e eu só li recentemente, em 2019)", comenta o escritor.

ATRASO DE 70 ANOS
São muitos os motivos para que Machado não tenha ainda encontrado o reconhecimento que merece fora do Brasil. Publicado originalmente em 1881, Memórias póstumas de Brás Cubas só foi traduzido para o inglês nos anos 50, com o título de "Epitaph of a Small Winner". Além disso, há a conhecida resistência nos mercados anglófonos a obras traduzidas.

"Tem um número famoso no mercado editorial americano: 3%", explica Thomson-DeVeaux. "Este é o percentual de obras publicadas nos Estados Unidos que são traduções. E o Machado já chegou com 70 anos de atraso. Não era o terreno mais fértil, mas nunca dá para a gente saber porque uma semente germina e outra não", completa a tradutora, ao destacar que, a cada novo ciclo de traduções, o interesse pelo bruxo do Cosme Velho se renova.

É o que acontece agora, em meio à emergência de discussões sobre raça e gênero que estimulam a descoberta de autores geniais que anteriormente foram relegados à periferia do cânone na literatura universal. A chegada de "The Posthumous Memoirs of Brás Cubas" no mercado americano se segue ao lançamento, dois anos atrás, da coletânea de contos "The collected stories of Machado de Assis", traduzido por Margaret Jull Costa e Robin Patterson.

A RESPOSTA BRASILEIRA PARA DICKENS
Na época, o crítico do “The New York Times” Parul Sehgal destacou a perplexidade dos escritores estrangeiros ao se deparar com Machado: para Stefan Zweig, Machado era a resposta brasileira para Dickens. Para Allen Ginsberg, era outro Kafka, enquanto o crítico literário Harold Bloom o comparava com Laurence Sterne.

“Que tipo de escritor induz tantas entusiasmadas e insanamente inconsistentes comparações? Que tipo de escritor pode estrelar fantasias tão diferentes?”, questionou o crítico, para quem Machado, pessoalmente, lhe lembrava a escritora canadense Alice Munro.

É um arrebatamento que ainda continua a acontecer, como se pode ver conforme  Thomson-DeVeaux relembra a primeira vez que leu Memórias Póstumas na vida, quando fazia sua graduação em Espanhol e Português em Princeton.

"Lembro que, no capítulo “O Delírio”, de abaixar um pouco o livro, porque não acreditava no que estava lendo. Foi um momento de encantamento."

Fonte: Época
 
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