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Entrevistas

10/08/2020 | 21:01

“Então quem tem amor em seu coração é o verdadeiro cristão”

Caio Dias

O presidente da Federação Nacional de Umbanda e Cultos Afro-brasileiros, Pai Junior de Xangô foi até os estúdios da TV Mais News, para falar um pouco sobre a federação, ações sociais e outras coisas relacionadas ao que vivemos no mundo de hoje.

O que a Fenucab faz? Como ela atua na sociedade?

“A Federação Nacional de Umbanda e Culto Afro-brasileiro, atua para que, todos nós de cultura afro brasileira, precisamos ser vistos pela sociedade e principalmente pelo governo. Hoje o poder público convida, um padre e um pastor, mas não convida um sacerdote religioso de cultura afro-brasileira, mas quando tem eleição o sacerdote afro-brasileiro também tem voto, e também é necessário. Então hoje nós estamos lutando por politicas publicas para o nosso povo, em Mato Grosso vemos bastante ações sociais voltada para outros grupos, mas infelizmente não voltadas para os grupos de cultura afro-brasileira, isso acontece porque há um preconceito e uma intolerância dentro da sociedade, que entre aspas se criou “Ah é o povo de umbanda, o povo de candomblé, o povo de axé é do mal” e isso não existe, somos um povo de fé e gostaria de reiterar esse entendimento, onde as ações da Fenucab, e a maior ação que temos hoje é contra a intolerância religiosa, entender que a intolerância religiosa é um crime absurdo e acaba chegando até a cor e virando intolerância racial”. Comentou o presidente.

Quando falamos de intolerância, seria a busca de eliminar o outro?

“Intolerar é o entendimento do que não conhece, você não conhece a cultura afro-brasileira e já começa a falar dela e não é bem assim. A cultura Afro-brasileira, e todos os barracões e templos de Umbanda e Candomblé de Mato Grosso e todo Brasil, fazemos a inclusão social em todos eles com ações sociais. Temos um barracão aqui em Mato Grosso de Mameto Kissiane que ela tem 154 filhos de santo e ela sustenta todos eles, isso é inclusão social, é ajudar aquele que está desempregado, é ajudar aquele que está precisando de um apoio é o mesmo processo que as igrejas católicas e evangélicas fazem, mas a sociedade, no entanto, não quer enxergar o povo de cultura afro-brasileiro e a Fenucab, está combatendo isso. Estive outro dia na cachoeira da macumba em Chapada dos Guimarães, eu fiz uma provocação, chamando o poder público, para que eles entendam que precisamos construir um “Vale dos Orixás”, mas porque precisamos desse Vale, porque todos os sacerdotes de cultura afro-brasileira, tem um rito e essa ritualística, requer de um espaço, as vezes vemos outros sacerdotes de outras etnias, gravando em cima de uma oferenda e denigrindo a imagem de um sacerdote de cultura afro-brasileira”. Comentou Pai Junior de Xangô.

Podemos colocar a Maçonaria e Umbanda no mesmo patamar, no sentido que a sociedade critica essas culturas?

“A maçonaria é uma sociedade de homens de bons costumes e homens livres, porque os maçons são homens livres, são homens que despontam na sociedade como liderança e todos são líderes, lideres dentro da sociedade, a filosofia da maçonaria é bonita porque não discute religião, ela coloca Deus em primeiro lugar, que o homem tem que respeitar o outro e dar liberdade ao outro, entender ao outro e lapidar no homem como um só. Então a maçonaria faz um processo e um trabalho muito importante no Brasil”. Comentou Pai Junior de Xangô.

A Umbanda trabalha em benefício das pessoas que acreditam em Deus?

“Quando falamos Umbanda, é acreditar em um Deus, se entendermos o sincretismo religioso que hoje ocorre no Brasil, eu posso falar que uma pessoa que acredita em Deus é Umbandista, sendo católico ou religioso, porque a Umbanda é uma religião genuinamente brasileira, que nasceu em 1908 no Brasil, é uma religião de inclusão e não de exclusão social. A Umbanda não exclui aquele que bate a sua porta, porque está vestindo chinelo ou porque está descalço, umbanda agrega porque ela soma e não divide, você nunca verá um sacerdote religioso de cultura afro-brasileira discriminar alguém de outra cultura. Já no viés contrário, nós somos discriminados pelos neopentecostais radicais, porque aquele que conhece verdadeiramente cristo e jesus, ele mostra o exemplo de cristo pelo amor, ele traz Cristo e Jesus pelo amor, porque Cristo é amor, ele não é critica e nem quer destruição. Então quem tem amor em seu coração é o verdadeiro cristão”. Comentou o presidente. 

Qual é o grande desafio do candomblé e dos cultos afro-brasileiro?

“No século XXI que vivemos hoje, é a intolerância religiosa onde vimos recentemente no Rio de Janeiro, templos de umbanda sendo destruídos, templos de candomblé sendo destruídos, e aqui em Mato Grosso também tem os templos sendo destruídos, por cristãos neopentecostais que não aceitam a filosofia de um sacerdote religioso, o sacerdote de umbanda que vive do axé, é criticado e chamado de vagabundo, mas e o pastor que vive cuidando das suas ovelhas e recebe por isso, ele não é chamado de vagabundo, porque? Tem que ser debatido isso, há uma dualidade dentro da sociedade que tem que ser quebrada. A Umbanda vai muito com a vertente da história do negro no Brasil, a nossa história converge com a história do negro no Brasil, onde hoje em uma pesquisa que 9% são negros inseridos em uma universidade, mas e o restante deles onde estão? Em Mato Grosso, 52% é composta de população negra, temos mais de mil bairros e cada bairro tem um centro umbandista, nós teremos 15 mil umbandistas praticantes”. Comentou Pai Junior de Xangô.

Qual é a raiz da intolerância religiosa?

“Para entender esta raiz, temos que voltar no tempo da escravidão, quando o Brasil foi descoberto, o primeiro marco do pais foi a cruz da igreja católica e a missa dessa igreja, vieram todos aqueles padres para catequizar e colonizar, e isso foi deturpando, pois quando se olhava o negro forte, acorrentado, algemado e ele não tinha força para sair daquilo, entendia-se que ele não tinha religião e nem Deus, mas na verdade ele tinha mais fé do que o branco que o vendia, porque o jornal na época estampava “Vende-se uma negrinha de 13 anos, pronta para procriar. Então racismo já começa com o negro e já começa com a intolerância religiosa do negro, e ai começa o sincretismo religioso, muitos falam qual é esse sincretismo: São Jorge Guerreiro, no catolicismo é um santo guerreiro, já na Umbanda é um santo de guerra. Então o negro plantava a pedra em que ele acreditava, a fé dele e do santo dele, então o senhor feudal assistia a tudo aquilo achando que ele estava rezando para o santo católico, mas na verdade ele estava rezando para Ogum, então o negro foi sábio onde ele transmitiu isso até o século XXI, sem livro, sem nada escrito mas se transmitindo com amor, com humildade e recolhimento no roncó, transmitido os valores culturais de um negro, porque quando se fala de Umbanda e Candomblé, é negro, carrega o sangue de um negro que foi escravizado, sua mulher foi estuprada e seus filhos açoitados, isso que temos que entender aqui no Brasil, e não falar que isso é hipocrisia, porque isso acontece no século XXI. Temos que quebrar os paradigmas da intolerância religiosa e entender que tanto como cristão, pastores e padres nós vamos pregar amor, vamos pregar a benção e pregar a filosofia de Deus pai todo poderoso”. Comentou Pai Junior de Xangô.

Como os terreiros de umbanda estão trabalhando durante essa pandemia?

“Os templos de Umbanda não param, nós nunca paramos, a questão é que atendemos pequenos grupos de pessoas, tem o uso das máscaras, álcool em gel. Estamos vendo com um deputado que prometeu para nós alguns recursos, e vamos conseguir com ele muitas coisas, porque o povo do Axé hoje com a pandemia, porque o poder público não olha para o povo do axé, falta um olhar para nós, porque afinal quem nunca foi em uma benzedeira e foi benzido, porque na hora do desespero, a mãe com a criança embaixo do braço foi benzido, antigamente não existia UPA, antigamente existia parteira. Então hoje o sacerdote religioso, carrega esse legado ancestral, o legado que não tem livro e sim transmitido de pai para filho”. Finalizou Pai Junior de Xangô.
 
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